Fiquei impactado com a quantidade de pessoas nas ruas durante meu cortejo fúnebre. Confesso que não conseguia entender o que elas gritavam, mas pude perceber as expressões emocionadas do povo, nesse adeus forçado que o destino me proporcionou. Antes disso eu apenas lembro que estava na antessala do plenário do Supremo Tribunal Federal quando se aproximou o então Procurador da República, Rodrigo Janot, meu desafeto de longa data. Eu o cumprimentei com um aceno de cabeça, meramente protocolar, e percebi que ele puxou uma arma em minha direção. Senti o calor da bala perfurando meu corpo, num tiro fatal. Soube que ele também tirou a própria vida.
Esse episódio não precisaria ter acontecido, embora entenda que eu nunca fora bem visto naquele ambiente, mas o fato é que Janot não gostou quando eu citei possíveis envolvimentos de sua filha com empresas envolvidas na Lava-Jato. Antes eu já havia me desentendido com o ex-ministro Joaquim Barbosa, com Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, e até com meu colega Marco Aurélio Melo, com quem muito já convergi. Aliás, não havia mais clima para eu andar nas ruas. Nos aeroportos e aviões eu era ofendido e até em Portugal, país no qual eu tinha negócios, já não era um local que me trazia paz, pois, seguidamente, era abordado por brasileiros que me hostilizavam. As exposições estavam se tornando cada vez mais constantes e, com a maldita proliferação das redes sociais, bastava apenas uma postagem para que milhões de pessoas no Brasil soubessem do constrangimento pelo qual eu havia passado. Eu me questiono o porquê de tudo isso, pois quando aceitei o desafio de ser Ministro, por indicação de Fernando Henrique Cardoso, eu entendi que estaria dando um grande passo para a minha liberdade, através de uma carreira vitalícia com um pomposo salário e o direito de usufruir as mordomias que os pagadores de impostos sustentam na Suprema Corte. Mas essa pseudo liberdade se tornou uma armadilha que me apresentou à morte, sem o privilégio de deixar boas lembranças. Hoje, revejo o meu passado pensando que poderia ter feito tanta coisa diferente, o que evitaria o desgaste dos meus familiares que ficaram e, quem sabe, me deixaria na história do Brasil como alguém que lutava por um país melhor. Mas agora é tarde e essa reflexão apenas me faz desconfiar que aqueles gritos nas ruas eram apenas um último desabafo contra mim, vindos de uma população cansada com os desmandos das autoridades…
*O texto parafraseia o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
Eder Boaro é instrutor Master Mind e colunista político