Entre o final do ano passado e o início de 2022, uma série de fatos e investigações trouxe à tona um tema que constantemente envolve Estados do Sul e do Sudeste. O neonazismo, que antes era propagado apenas por cartazes, em reuniões nas casas de simpatizantes e em atos isolados contra negros, judeus e pessoas LGBT+, agora segue com os mesmos alvos e ideologias, contudo, os integrantes se reúnem em grupos online.
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Mas não na internet tradicional, e sim na “deep web” — considerado o “lado obscuro” da rede por não ter regulamentação e por ser de difícil rastreamento.
Monitoramento realizado por ativistas antinazistas e pela doutora em Antropologia Social Adriana Dias, pesquisadora da Universidade de Campinas (Unicamp), atesta que há pelo menos 10 mil pessoas ligadas a movimentos nazifascistas no Brasil, e o número vem crescendo nos últimos anos. São Paulo e Santa Catarina têm a maior parte dos simpatizantes dessas ideologias, mas o Rio Grande do Sul é historicamente considerado um dos maiores focos.
Em atuação no Estado, foram identificados cerca de mil suspeitos desde 2020. Além disso, houve confirmação de nomes e endereços de pelo menos 40 moradores do RS que integram um desses grupos.
Sete deles são investigados pela polícia, como um adolescente de Lindolfo Collor, no Vale do Sinos, que transmitiu a execução de um cachorro, um jovem preso em Tramandaí — que usava um capacete da legião hitlerista — e outro que teve mandado de busca contra ele em Novo Hamburgo.
Entre os fatos apurados, ameaças a vereadores de Porto Alegre e Niterói (RJ), a policiais, a um influenciador digital brasileiro que reside nos Estados Unidos e ao ator Douglas Silva, integrante do BBB 22. Ainda há suspeita da participação de um outro adolescente e de um adulto da Capital na combinação de supostos ataques a escolas — conforme alerta do governo norte-americano e que resultou em operação policial no Brasil em dezembro.
“Elite intelectual”
São vários grupos na deep web que têm como objetivo o compartilhamento de conteúdo ilegal, como venda de drogas e armas, golpes, pedofilia e violência, além de fóruns neonazistas e terroristas. A pesquisadora Adriana, que tem tese de doutorado sobre neonazismo no Brasil e monitora essas ações, já mapeou ao longo de 18 anos de trabalho até agora um total de 52 tipos de grupos, pouco mais de 530 células — ramificações — e viu saltar durante a pandemia o número de adeptos: de 5 mil para 10 mil.
Um desses grupos monitorados, chamado de “Elite Intelectual”, foi criado em 2020 por um jovem que, segundo ativistas que denunciam essas práticas, seria de Goiânia. Conforme a antropóloga, são cerca de mil membros neste grupo.
Por meio de pessoas infiltradas nesses fóruns e que monitoram as atividades dos extremistas, foi possível confirmar a participação de integrantes de todo o Brasil. O primeiro deles a ser detectado, em abril de 2021, foi uma transmissão ao vivo feita por um adolescente de 13 anos residente em São Paulo. Ele bateu, enforcou e colocou um papagaio em uma churrasqueira, além de fazer gestos obscenos com a ave.
— É muito difícil provar hoje que o nazista é nazista no Brasil. Se a pessoa não estiver vestida como Hitler, com uma suástica ou cruz maltada (Cruz de Malta usada por cristãos na Idade Média e que teve seu formato associado à Cruz de Ferro usada pelos nazistas) tatuada e cantando hinos nazistas, não vai presa — ressalta a pesquisadora.
Neonazistas gaúchos
Como esse caso foi alvo de investigação policial, os moderadores do grupo solicitaram que as mensagens fossem criptografadas para dificultar as buscas por pistas. Mas os atos criminosos continuaram, alguns com a participação de gaúchos, o que chamou a atenção de ativistas antinazistas, como o influencer digital brasileiro Antônio Isupério, que mora nos Estados Unidos, e a pesquisadora Adriana Dias.
Além deles, há o vereador de Porto Alegre Leonel Radde (PT), que denuncia ações extremistas, principalmente no Estado. Segundo ele, que é policial civil licenciado, atos e intimidações mais recentes levaram as autoridades a identificar pelo menos 40 gaúchos que integram o “Elite Intelectual”.
— Temos informação desses gaúchos na deep web, no grupo “Elite Intelectual”. Estamos de olho. Nossa missão é acompanhar isso e responsabilizar essas pessoas — ressalta a delegada Andrea Mattos, titular da Delegacia de Combate à Intolerância da Capital.
Foi apurado que a maioria reside em grandes centros urbanos, como Novo Hamburgo, Canoas, Sapucaia do Sul, Porto Alegre, Esteio, São Leopoldo, Pelotas, Santa Maria e Caxias do Sul, mas também em cidades menores, como Tramandaí e Lindolfo Collor, entre outras.
Radde ainda diz que são várias pequenas células que atuam de forma fragmentada e que se reúnem às escondidas na deep pweb em um grande grupo, onde divulgam vídeos, fazem ameaças e disseminam o ódio e o preconceito.
— Atuam em blocos que têm a mesma ideia, mesma prática, alguns se comunicam entre si, outros não, são mais voláteis, tipo célula terrorista. Tudo isso mapeamos, checamos, confirmamos e entregamos às autoridades, que também confirmaram as suspeitas e, as que tiveram ações concretizadas fora da web, viraram alvo policial — afirma Radde.
Entre os atos, está a execução ao vivo de um cachorro por um adolescente de Lindolfo Collor. Entre as ameaças, há uma feita pelo mesmo suspeito a diretores da Anvisa, além de outras a Radde e Isupério, bem como a uma vereadora transexual de Niterói (RJ), Benny Briolly (Psol).
— Investigo porque me ameaçaram, investiguei para ver quem eram os integrantes desta célula. Nossa primeira causa é racial e, quanto aos supremacistas, vou dar um tempo, tem muita gente perigosa por trás dessas pessoas e o Brasil não me protege — diz Isupério.
No caso dele, o suspeito foi preso em janeiro, em Tramandaí. A polícia também investiga outra pessoa, de Novo Hamburgo, que também fez ameaças a Isupério e ao ator Douglas Silva, que participa do BBB. A delegada Raquel Peixoto, de Novo Hamburgo, também foi intimidada após investigar o caso de Lindolfo Collor.
— Sim, recebemos ameaças. Não houve nenhuma ação diferenciada, mas faz parte do nosso trabalho — diz Raquel.
Também houve uma tentativa de ameaça por e-mail aos policiais da Delegacia de Combate à Intolerância logo após o cumprimento de mandados judiciais contra os investigados de Tramandaí e Novo Hamburgo.
Com o objetivo de atrair mais seguidores, os integrantes desses grupos realizam desafios entre eles e que são transmitidos ao vivo, alguns perante ameaças por parte dos responsáveis pelo fórum, e sempre instigando principalmente os iniciantes a execuções de animais, automutilações, atos obscenos e ameaças a pessoas que eles consideram como alvos. Segundo a delegada Andrea, a maioria destes adeptos tem entre 13 e 25 anos.
Canais de divulgação
Além da própria deep web, tanto o vereador Radde quanto a delegada Andrea ressaltam que os integrantes sempre procuram trocar informações em plataformas que têm poucos critérios de controle e que costumam não repassar dados dos participantes. Para a policial, fica claro que essas plataformas — inclusive algumas do Exterior — são utilizadas para dificultar a busca por informação e acesso.
— As empresas responsáveis são acionadas por meio de acordos de cooperação internacional, mesmo assim, é complicado obter informações. Tem muita burocracia e não se responsabiliza pelos dados armazenados, menos ainda se preocupam em repassar — alerta.
Contudo, Andrea diz que mesmo assim a polícia consegue obter dados dos integrantes e ter acesso ao material publicado por eles. Além disso, alguns deles, que buscam notoriedade, acabam divulgando conteúdos extremistas e ameaças pelas redes sociais tradicionais. Alguns até com perfis que identificam preconceito e racismo vinculados ao neonazismo.
O que diz a lei sobre neonazismo no Brasil?
Neonazismo é crime contra os Direitos Humanos porque é considerado um ato de intolerância com base na ideologia de superioridade e pureza de determinada raça com recursos de agressão, humilhação e discriminação. Está incluído também o ato de fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda com símbolos e defesa do pensamento nazista.
Punições previstas
- Neonazismo é crime no Brasil conforme o artigo 20 da Lei 7.716/1989, com pena de dois a cinco anos de prisão e mais multa. Mas há outros tipos de crimes que também estão sendo atribuídos a alguns dos investigados pela polícia
- O crime de injúria contra alguém tem pena prevista de reclusão de um a seis meses ou multa
- Já a injúria racial, a pena de prisão é de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la
- Em relação ao racismo, contra uma coletividade — prática, indução ou incitação à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional —também tem pena de detenção de um a três anos
- O mesmo vale para homofobia, com vínculo ao racismo, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, podendo chegar a cinco anos de prisão em casos mais graves
- Em relação à misoginia, comportamento que deprecia mulheres em geral, a pena de reclusão é de três a seis meses, ou multa.
Da Gaúcha ZH