Um médico ginecologista e obstetra, plantonista do hospital local, foi condenado por lesão corporal culposa, homicídio culposo e falsidade ideológica, ocorridos durante atendimento a uma gestante encaminhada pelo posto de saúde em município da comarca de São Lourenço do Oeste (SC). De acordo com a decisão, a imprudência e negligência do acusado ao induzir o parto causou a ruptura do útero da paciente e, consequente, hemorragia que vitimou fatalmente o bebê.
Consta na denúncia apresentada que a gestante realizou acompanhamento pré-natal no posto de saúde e que mãe e bebê tiveram desenvolvimento normal. Em consulta no fechamento da 41ª semana de gestação, na manhã de 4 de janeiro de 2019, o médico da unidade encaminhou a paciente e o companheiro para o hospital, a fim de realizar cesárea já que a gestante estava em pós-datismo – quando o nascimento ultrapassa as 40 semanas gestacionais – e os movimentos fetais estavam reduzidos.
Mesmo com relatos de medo da gestante e da cesárea anterior recente, no hospital, o acusado prescreveu dois remédios para indução do parto normal que deveriam ser administrados juntos, a cada quatro horas, dizendo que “sabia o que estava fazendo” e que “só pegava pedreira”. De acordo com laudo pericial, um medicamento serve para contrair o útero e o outro tem o objetivo de dilatar o canal vaginal. No entanto, um deles tem efeito abortivo e não é recomendado para mulheres com menos de 30 semanas de gestação ou que tiveram cesárea anterior, como a situação da paciente. E, ainda, dados do Ministério da Saúde e Fundação Oswaldo Cruz mostram que a aplicação do medicamento nessas condições aumenta em cinco vezes o risco de rotura do útero e, consequente, sofrimento fetal, bem como que os remédios devem ser usados separadamente, com pelo menos seis horas de intervalo.
Na tentativa de parto normal sem sucesso, o médico fez um corte no canal vaginal e pediu para que a paciente fizesse força para empurrar o bebê. Foi quando o útero rompeu e houve hemorragia, o que causou asfixia no bebê. O acusado ainda tentou a retirada do menino com o equipamento fórceps. Em cesárea de emergência, outro médico retirou a criança ainda com vida, porém, sem oxigenação regular. O sangramento inviabilizou a sutura do útero e foi necessária a retirada do órgão, ovários e trompas. Ela foi levada para UTI de outro hospital, onde permaneceu internada por uma semana. Reanimado e intubado, o bebê estava sendo transferido para a UTI quando ocorreu o óbito.
Após, o acusado rasgou o prontuário da paciente e refez o documento, alterando dados importantes como histórico de cinco gestações, incluindo dois partos normais e dois abortos, nunca existentes, o que demonstraria o risco de complicações naturais, de modo a afastar sua responsabilidade pessoal. Não bastasse, chamou uma enfermeira que estava de folga para preencher novamente o prontuário sem citar a medicação prescrita. Todavia, a servidora gravou toda a conversa.
Nesses termos, o médico foi condenado a dois anos, dois meses e 14 dias de detenção, além de um ano, seis meses e 20 dias de reclusão. Ele também deve pagar R$ 20 mil a título de indenização mínima à paciente vítima, com juros e correção monetária.
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Violência obstétrica
A magistrada, na decisão, lembrou que “entende-se por violência obstétrica ‘a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissional de saúde que se expresse por meio de relações desumanizadoras, de abuso de medicalização e de patologização dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres’”.
E considerou: “Ocorre que o profissional foi imprudente por não ter partido para uma atuação mais conservadora no caso da parturiente, tendo procedido desprovido de cautela, sem analisar pormenorizadamente a situação, quando podia ter se valido de um método de parto mais seguro”. Cabe recurso da decisão (autos número 5001451-30.2020.8.24.0066).