Na tarde da última quinta (7), o governador Carlos Moisés recebeu a reportagem das associações de Diários do Interior (ADI-SC) e dos Jornais do Interior (Adjori-SC). Muito mais em clima de bate-papo do que de entrevista, Moisés não fugiu de perguntas, manteve a postura e, mesmo correndo o risco de azedar algumas relações já complicadas, avaliou o comportamento da bancada de seu partido, o PSL, na Assembleia Legislativa. Dos seis parlamentares pesselistas, cita apenas dois como sendo da base de seu governo. Situação que compensa com a aproximação cada vez maior de deputados de outras siglas.
Não há por que você, cegamente, se aliar a propostas não republicanas e posicionamentos extremos, seja de direita, seja de esquerda.
SCPortais – Gostaria que o senhor falasse sobre a proposta de fusão dos municípios e sobre a questão da desvinculação do orçamento relativa a essa proposta.
Carlos Moisés – No que diz respeito aos municípios, o governo tenta, junto ao parlamento, avançar no “mais”. Mas às vezes não consegue o “mais”, consegue o “menos”. O que quero dizer? Que a gente teria que olhar daqui para a frente. Você frustra o munícipe quando o município existe, está articulado, está organizado, tem a sua Câmara Municipal, seus secretários, a Prefeitura. Tem uma série de compromissos públicos, tem financiamento, enfim, tem uma estrutura municipal funcionando. E tem história, tem orgulho.
Penso que o governo deve caminhar daqui para a frente. Já se identificaram os critérios. Então, a criação de novos municípios teria que ser restringida ao máximo. Teriam que apresentar planilha de sua condição de arrecadação, do seu gasto público, da sua Previdência, se é geral, se é própria. Tem que ser superavitário em tudo. E mesmo assim entregar bons serviços. Se ele apresentar essa planilha, se essa conta fechar e ele tiver mais de 5 mil habitantes, pode ser um município. Caso contrário, não.
O que acontece se a gente estancar isso hoje? Esse município que hoje tem 5 mil habitantes daqui a 10 anos pode ser que tenha mais de 10 mil habitantes. Não vejo razoabilidade em retroagirmos agora. Essa é uma posição minha, do governador de Santa Catarina, mas é uma pauta federativa, que envolve a Câmara e o Senado, a partir de uma proposta do Executivo. Acho que ela deve ter restrições, com debate intenso, véspera de um ano que tem eleições municipais. Minha posição é olhar daqui para frente.
A grande pergunta que temos que fazer é “por que esses municípios são municípios?” Alguém teve a ideia, fizeram um plebiscito, emancipa, não emancipa, aprova. Os critérios talvez não tenham sido os melhores. A proposta do governo federal tem seu valor quando coloca um sinal: olha, esses municípios não se sustentam. Quando digo que quem busca o “mais”, acaba conseguindo um pouco “menos” é no seguinte sentido: o governo federal lançou a possibilidade de extinção, de fusão desses municípios. Quem sabe ele não consiga isso, mas consiga estancar a criação de novos municípios e a médio e longo prazo a gente tem um equilíbrio?…
SCPortais – E com relação ao orçamento?
Moisés – Acho importante. Chamou muito a minha atenção a possibilidade de se utilizar, e isso é experiência própria nossa com alguns municípios e o próprio Estado de Santa Catarina. Somo 12% (Saúde) com 25% (Educação), isso dá 37%. Se eu flexibilizo essa vinculação, um pouco mais para a Saúde ou um pouco mais para a Educação, de acordo com a necessidade do Estado ou do município, estarei mais perto da realidade. Atribuo responsabilidade ao gestor público, senão, não precisava de um governador. Bastaria criar um software, lança ali os dados, não tem decisão, não tem avaliação. Bastaria um robô para governar.
O governo dos estados e dos municípios vai até a situação de fato e vê que a população está envelhecendo, que a demanda por escola acabou. Por outro lado, com a população envelhecida, precisa de mais condição de assistência médica e hospitalar adequada à terceira idade, é preciso investir mais nisso. Essa decisão de flexibilização dos recursos vem em boa hora. Senão, o que vai acontecer? Há estados e municípios que investirão os 25% da Educação e vão comprar revistinha, tablet, mesmo não precisando, vão mandar pintar escola que já foi pintada. Vou investir em um software para a Saúde, mas na verdade não tenho nenhum escopo para atender. Na minha avaliação, por exemplo, o Estado de Santa Catarina precisa investir muito mais em Saúde e muito mais em Educação. Precisa avançar nos dois. Mas essa avaliação de flexibilização é boa principalmente para os municípios.
SCPortais – A proposta limita a União ser fiadora dos estados e municípios com relação à concessão de crédito. A crítica que se faz é que isso reduz a solidariedade entre os entes, que deixam de se ajudar nesse processo. Um segundo ponto é que a PEC de corte de gastos prevê que, dentro de uma emergência fiscal, gastos obrigatórios são congelados. Existe risco de não haver investimento em um momento de crise?
Moisés – É a questão das garantias da União. O Estado, como ente, é uma ficção. Se nem a União, estados e municípios são solventes, criar-se uma garantia sem ter esse lastro é uma ficção contábil. Por isso acho que tem que se rever quem pode realmente ter garantias. A pauta de retirada do Estado das ações em que ele não deveria estar é emergencial e vai diminuir a necessidade de se contrair mais financiamentos, vai diminuir a despesa, o gasto público. A pauta da desestatização tem que ser mais presente.
SCPortais – A Proposta de Emenda à Constituição que está sendo chamada de megapacote de redução do gasto público, prevê que em caso de emergência fiscal os gastos serão congelados. Como ficam os investimentos?
Moisés – É quase um grito de socorro que o governo federal está lançando. Se tenho emergência fiscal é porque já não tenho recursos para aportar. É quase considerar falência. O estado não tem de onde tirar dinheiro, por isso decreta-se emergência fiscal. Parece-me que isso demonstra que o modelo de Estado que temos é insolvente. Ele é deficitário. Precisamos arrumar dinheiro novo, alternativas de gestão, flexibilização do Estado para que possamos fazer mais com menos.
E aí entraria uma série de outras mudanças, como a possibilidade de redução de salários, de horários. O que estou percebendo no pacote do governo federal é que é o reconhecimento da insolvência do Estado brasileiro. É a única forma de a gente traduzir isso. Dizer que se eu não tiver, eu não preciso pagar, é fazer uma exceção ao gasto constitucional. A Constituição manda eu gastar, mas se eu não tiver, eu não vou gastar. Veja onde nós chegamos. Isso é preocupante, mas é realista ao mesmo tempo. Como é realista o orçamento que mandamos para a Assembleia Legislativa. Um orçamento apontando um déficit do Estado, quando sempre era superavitário e nunca foi.
SCPortais – Trocando de assunto, para a questão partidária. Existe a discussão das diferenças entre o senhor e o Bolsonaro. Bolsonaro já declarou que considera sair do PSL. Neste caso, o senhor fica no partido ou sai com ele?
Moisés – Estou no PSL e fico no PSL. Não sei o que o presidente vai fazer. Não conversei com ele sobre esse tema. Quando conversamos, nunca abordamos partido. Minha posição é que, a minha agremiação desejando, eu fico nela. Nunca fui agremiado a nenhum partido. Estive neste para concorrer à eleição, porque é um instrumento necessário. E me relaciono bem com as lideranças do partido, no estado e no país. Estamos construindo um governo suprapartidário, isso é importante dizer. Por isso, não tenho necessidade de sair do partido.
Fui para o Meio-Oeste de Santa Catarina acompanhado de vários deputados. Só um deles, um deputado federal, era do meu partido. Da Assembleia Legislativa, todos eram de outros partidos. Fizemos entregas de obras para rodovias, aeroportos, juntamente com o senador Jorginho (Mello, PL), que foi o incentivador desse investimento federal. Neste caso específico, estava lá entregando um recurso federal com deputados estaduais e um senador que não são do meu partido, para um município que é muito importante, Joaçaba (SC).
Se não tivermos esse entendimento e não prosseguirmos nas entregas de projetos para Santa Catarina, vamos fazer a velha política. Para mim, esse é um modelo novo. Não dou cargo para deputado, não troco favores, atendo os interesses da comunidade. E ele é o porta-voz. Tem a percepção, cada um tem sua base. Tentamos ouvir os deputados e as comunidades. O governo ouve prefeitos, associações de municípios, seus representantes no parlamento.
Essa é a forma que estabelecemos no governo e que está dando certo. Estou muito satisfeito com a base que temos na Assembleia Legislativa. O governo não é vitorioso em todos os projetos, mas sabemos que em uma democracia isso não acontece mesmo. Há sempre os freios e contrapesos, a independência dos poderes.
Afora isso, estou muito satisfeito com o que a gente tem conseguido fazer de entregas para os catarinenses, nosso relacionamento com todos os deputados, exceto alguns do meu partido (risos).
SCPortais – Falta cerca de um mês para o encerramento das sessões na Assembleia. Como está o relacionamento com a Assembleia como um todo e especificamente com sua bancada?
Moisés – Começou bem, porque não conhecíamos muito as pessoas e suas motivações. A partir daí, a gente passa a perceber motivações não muito republicanas. Alguns projetos que são envolvidos em uma certa perversão, digamos assim. Uma coisa é eu levantar uma bandeira. Tem uma deputada que queria fazer um projeto contra os professores, queria exame toxicológico contra os professores.
Minha contraproposta para a deputada foi que se ela quisesse fazer para o governador, para o deputado, para o juiz, para o promotor e para o professor, eu estaria dentro. Ela disse que aí não passava. ‘Então, não conte com a minha ajuda. Eu não vou perseguir professores.’ Se é uma bandeira da deputada, é problema dela. Aí começaram as divergências.
Quando oferecemos apoio ao governo federal para o combate ao incêndio na região amazônica, disseram que era pauta de esquerda. Novamente, manifestações contra o governo vindas desse grupo. E na mesma semana, o ministro Sergio Moro solicita apoio por ofício!
São teses que não prosperam. Por isso que eu digo que esse período é revelador. Não há por que você cegamente se aliar a propostas não republicanas e posicionamentos extremos, seja de direita, seja de esquerda. O extremismo nunca será bom. Sou governador de todos os catarinenses, eleito com 71% dos votos. Não consigo ver um catarinense de quem eu não seja governador. Fico à vontade para dizer isso, até porque não consigo identificar quem votou e quem não votou em mim.
Porque quando você retira aqueles percentuais de votos que todos os anos se repetem, os que não são válidos, sobra pouca coisa. Aqueles que votaram, votaram no governador Moisés. É quase uma unanimidade onde eu chego a cobrança pelos que votaram em mim. Eu digo que votaram bem e que vamos honrar o voto. Essa é a minha forma de governar. Quem não me acompanha, por radicalismo, não vai ficar do meu lado.
SCPortais – Hoje o senhor tem o apoio ou proximidade de alguém da bancada do PSL?
Moisés – Temos dois deputados que estão na base do governo, que vêm às reuniões, que são o deputado (Ricardo) Alba e o deputado (Coronel)Mocelin.
SCPortais – Rejeitados pelos demais.
Moisés – Não sei se há rejeição, mas houve uma troca pela nova liderança que eles mesmos constituíram. Os dois deputados (Alba e Mocellin) têm votado com independência. Nem tudo eles votam com o governo, é natural, mas há um equilíbrio pelo menos no comportamento dos dois. E eu tenho preferência de tratar e andar ao lado de pessoas equilibradas.
SCPortais – A ausência de alguns deputados do PSL na base de seu governo é suficientemente compensada por outros, de outros partidos? MDB, por exemplo, está mais próximo do governo?
Moisés – Não só o MDB. São blocos de partidos que votam conosco, de deputados de direita, de esquerda. Convidamos os deputados, e alguns se destacam, naturalmente. O MDB, por ser um grande bloco, tem um peso muito grande. São nove deputados, alguns exercem boa liderança, como o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), o deputado (Romildo) Titon, o deputado Vampiro (Luiz Fernando), o vice-presidente da Assembleia Legislativa, deputado Mauro de Nadal.
SCPortais – O deputado Eskudlark (PL) fica como líder?
Moisés – Já alinhamos que a liderança seria trocada a partir do primeiro ano e a cada ano. Estamos trabalhando alguns nomes, mas ainda não definimos.
SCPortais – A relação com o Legislativo está boa?
Moisés – Sim. Estou muito satisfeito. O presidente da Casa esteve comigo hoje aqui, com outros deputados e o Ministério Público. Discutimos a constituição de um grupo para fazer avançar a reforma da Previdência em Santa Catarina. É uma iniciativa dos sete governadores do Sul e do Sudeste. Considerando a dificuldade de aprovação da PEC paralela que inclui estados e municípios na reforma da Previdência, faríamos caminhar nossas propostas ainda este ano.
Apesar disso, e com esse movimento dos sete governadores, e de outros, talvez, houve um despertar da PEC paralela. Foi aprovada em primeiro no Senado, depois vai para a Câmara, onde o clima mudou em prol da aprovação. Houve um ajuste na questão das pensionistas, que estavam recebendo até 72% a menos do que recebia o contribuinte. Houve um ajuste, trazendo mais para a realidade. Vamos ver como será recebida na Câmara. Como vai demorar, estamos reunindo os grupos para preparar uma PEC e um projeto de lei complementar para fazer a adesão à ideia. Não vamos criar nada de novo. Só sair na frente. Se houver aprovação no cenário nacional, podemos recuar.
SCPortais – Como está a relação com o governo federal?
Moisés – Muito boa. Tenho o apoio de todos os ministros. O presidente da República não é uma pessoa que a gente fala toda hora. Que tipo de relação as pessoas esperam que você tenha com o presidente da República? Uma relação republicana. E o presidente é muito justo, muito republicano nesse sentido.
Na verdade, não vejo a figura do presidente da República como alguém que deva ser alvo de pedidos dos governos. O presidente não interfere nos ministérios. É o perfil dele e o perfil que tento adotar em Santa Catarina. Ouço a equipe técnica. Se ela disser que é para fazer, vou fazer. Hoje, o caminho das pedras no governo federal é ir aos ministros. E os ministros são muito presentes em Santa Catarina, sabem das necessidades do governo catarinense.
Temos avançado junto à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e junto ao Ministério da Economia para vários pleitos de Santa Catarina. Estamos projetando a melhoria da nossa capacidade de endividamento para o próximo ano. Tivemos uma boa visita no ministério, na STN. A equipe da Fazenda esteve lá, trouxe boas notícias. O governo estadual é super alinhado com o governo federal.
SCPortais – Há uma proposta do governo federal de redução das isenções de impostos. Santa Catarina já vem fazendo isso…
Moisés – Estamos fazendo isso aqui. Nossa proposta era redução, por lei, de isenção sobre receita corrente líquida do Estado de 25% para 16% o total de incentivos fiscais. Já é uma lei e é o que tem garantido o pagamento dos servidores públicos, senão já teríamos atrasado a folha de pagamento em julho. Isso representou um incremento de 12,67% da receita do Estado de janeiro a setembro, comparado ao mesmo período do ano passado. Muito mais do que São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro. Abaixo de 8%, teríamos atrasado a folha. A dívida também subiu, mas estamos no caminho certo. Tanto estamos, que o governo federal está propondo agora redução de 50%, de 4% do PIB (produto interno bruto) para 2% do PIB nacional o total de incentivos fiscais. Nós reduzimos 9%. É muito mais gravosa a redução do governo federal.
SCPortais – São recursos da União?
Moisés – Só tributos federais.
SCPortais – Que balanço o senhor faz de seus 10 primeiros de governo?
Moisés – Diante do grande desafio que tivemos, de aumentar a arrecadação e diminuir despesa, não os investimentos, somos vitoriosos. Somos um dos estados que mais incrementa a arrecadação no Brasil e estamos diminuindo drasticamente as despesas, revisando contratos, diminuindo a máquina pública.
SCPortais – Já tem um número para isso?
Moisés – Superamos os números que prometemos. Quando falamos que iríamos reduzir o papel do governo, nossa projeção era de R$ 29 milhões e já foi ajustada para R$ 30 milhões até o final do ano. O pregão eletrônico… nossa expectativa era deixar de gastar R$ 40 milhões. Lançamos uma licitação pelo SIM Catarina e economizamos R$ 30 milhões. O Oxigênio, R$ 12 milhões. Essa conta vai passar. Trocamos o contrato de telefonia, que era R$ 950 mil por mês, para R$ 250 mil. E isso não tem fim. Todo dia descobrimos uma coisa nova.