A cena era tão rotineira que foi até difícil de acreditar. Ao retraçar seus passos anteriores ao resultado positivo no exame antidoping por uso de fenoterol, Rafaela Silva percebeu que o contato com a pequena Lara, de apenas 7 meses, era a única explicação possível. A campeã olímpica diz ter sempre sido quase obsessiva com o cuidado com o corpo, justamente para não ter de se justificar em um momento como esse. Agora, porém, ao lado do advogado Bichara Neto, prepara sua defesa para não ver cair por terra o sonho de buscar um novo pódio olímpico em Tóquio.
O ato de dar seu nariz para bebês brincarem, Rafa diz, vem do relacionamento com seus dois sobrinhos. O costume já foi registrado em redes sociais com fotos e vídeos que, agora, vão servir de base para o argumento da defesa, assim como o histórico sem manchas da atleta, conforme o GloboEsporte.com apurou. No dia 4 de agosto, pouco antes de embarcar para Lima, onde conquistaria seu primeiro ouro pan-americano, Rafaela Silva foi à casa de judocas do Instituto Reação. Entre elas, Flávia Rodrigues, mãe da pequena Lara, de apenas sete meses. Lá, brincou com a criança e com o sobrinho, Sylvestre. Além disso, fez sauna, outro ponto importante da defesa.
O tempo exposta à alta temperatura da sauna também teria facilitado a entrada do fenoterol no organismo de Rafa. A pequena Lara faz uso regular da substância para tratar uma asma e, ao morder o nariz da judoca, teria expirado a substância. A certeza de que foi nesse momento que teria tido o contato com o fármaco é tanta que a campeã olímpica não se vê fora dos Jogos de Tóquio.
– Sempre fiz meus testes, sempre entrei sem nenhuma preocupação. A história que a gente tem para contar é que eu sempre tivesse esse cuidado porque, como atleta, não queria nunca passar por um momento como esse. Nunca iria imaginar que, ao pegar uma criança de seis meses no colo, que faz uso dessa substância, e, numa brincadeira, por sempre ter esse costume de brincar com o meu sobrinho, sempre dou o meu nariz para ficar chupando, como se fosse uma chupeta, uma mamadeira – disse.
– Quando fiquei sabendo dessa notícia, a única pessoa que tinha feito uso dessa substância era a Lara, filha da minha amiga. O Dr. Cameron me explicou um pouco: conforme ela vai me chupando o nariz, eu vou inalando a substância – completou.
Luiz Cláudio Cameron é o chefe do Laboratório de Bioquímica da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). É ele quem auxilia a defesa de Rafaela Silva no caso. Segundo ele, a versão da judoca para o contato com a substância é plausível. Há, inclusive, a expectativa de que a atleta consiga manter o ouro conquistado do Pan de Lima.
– O fenoterol tem uma vida relativamente curta e é rapidamente ejetado. Não tem nenhuma incompatibilidade entre esses resultados. É perfeitamente aceitável. Não há qualquer dúvida. É um broncodilatador muito usado no dia a dia. Então, é muito tranquilo considerar que uma criança que acabou de usar estava expirando o fármaco. Então, como houve o contato entre as vias aéreas da criança e da Rafaela, é bastante plausível que tenha sido exposta dessa forma. E o que temos até agora parece ser coerente com essa tese.
Acostumado a estar à frente de casos de doping em atletas, como os dos nadadores Gabriel Santos e Etiene Medeiros, Bichara Neto também confia que Rafaela Silva sairá do processo sem nenhuma suspensão.
– Em tese, é uma substância que poderia ter uma punição de até dois anos, considerando que ela não teve a intenção de se dopar. Mas, com a tese defendida, que vai ser apresentada na hora de fazer a defesa dela, estamos confiantes de que ela não teve culpa alguma e que não terá nenhuma suspensão.
Para Flávio Canto, o fato de a judoca ter testado negativo em novo exame tão pouco tempo depois, durante o Mundial do Japão, também ajuda na defesa.
– Fazer o exame lá, tão pouco tempo depois do Pan, foi importante. (Reportagem G1- Por Carol Oliveira e João Gabriel Rodrigues).